27 de dezembro de 2009

Como?!

“Maus Hábitos” é uma produção mexicana que trata da Anorexia Nervosa enquanto cruza a história de três mulheres e uma garotinha. Ela, a mãe e uma freira vivem o drama de privação do prazer em comer em diferentes perspectivas. E a quarta mulher personaliza um ícone oposto, aproveitando ao máximo o prazer pela comida e o prazer sexual. Uma produção simples, mas que se valoriza em função de abordar um tema importante da contemporaneidade.

Resumindo vemos um ambiente familiar cheio de hostilidade e superficialidade, no qual uma mãe, preocupadíssima com sua forma física, entra num quadro clínico severo de anorexia, enquanto tenta fazer com que sua filha, uma criança acima do peso e apaixonada por doces, emagreça – flagrando conflitos comuns a desejos opostos. Vemos também uma freira que realiza um jejum intenso com a esperança que Deus faça com que a chuva sobre sua cidade pare. Enquanto estas três se estressam com sua alimentação, o marido da primeira se envolve com sua aluna cheia de curvas e de bem com a vida.

Assistir a esse filme foi impactante pra mim que vivo num meio cercado de dietas e de guerra às calorias. No dia seguinte ao assistir ao filme, fui à academia e reparei que as pessoas só falavam do quanto tinham comido no dia anterior, Natal! Ao prestar atenção nas conversas ao redor percebi que só havia duas maneiras com as quais as pessoas abordavam este assunto, ou falavam, com um ar de culpa, que haviam exagerado, ou cheias de orgulho diziam sobre ter se controlado, o que gerava ainda mais culpa na amiga.

Isso tudo foi me fazendo sentir estranha no meu habitat natural, já que em geral, nem repararia em nada disso. Mas o mais curioso é que, ao invés de eu relaxar um pouco com a dieta e com a malhação depois de assistir ao filme, acabei treinando ainda mais forte. Isso tudo me soa tão estranho, quero dizer, será que o filme, que deveria confirmar minhas convicções de felicidade acima da aparência – já que sou uma pessoa que ama comer, acabou me incentivando ao oposto?! Me deu até vontade de pesquisar cientificamente esse aspecto do assunto.

Desde então, tenho sentido como se minhas convicções estivessem em risco, como se minhas idéias de comer com prazer ainda que isso me impeça de ter todos os músculos que eu gostaria e me faça reservar muito mais gordura do que eu pretendia, parecessem insipientes.

Procurei saber mais sobre a Anorexia Nervosa sob o ponto de vista psicológico e encontrei muitos artigos a respeito do tema, tentei resumir algumas idéias, mas não pude atingir a dose certa entre informação e profundidade e decidi colocar aqui o texto da Psicanalista Fernanda Pimentel, um texto claro e bem estruturado encontrado no blog da Psicanalista, disponível em: www.viafreud.blogspot.com

“A palavra Anorexia é composta pela partícula “a” que significa privação, mais “orexia”, que se origina do grego “orektos” e significa apetite e desejo. Colocando a anorexia não somente como uma patologia da ordem da privação do apetite, mas também da privação de desejo.

O que o sintoma anoréxico sustenta é uma impossibilidade de satisfazer um desejo. Com esta visão, o jejum e a perda de peso são encarados como um modo do sujeito obter satisfação, negando a presença deste desejo. A inapetência pela comida se traduz também como uma inapetência de desejo. Desejo este que por algum motivo se mantém recalcado e permanece inconsciente.

A relação do desejo com o objeto é uma falta e não algo que lhe proporcionará uma satisfação. É isto que mantém o desejo e nos mantém como sujeitos desejantes, porque a estrutura do desejo implica nesta inacessibilidade do objeto, tornando-o indestrutível. Dessa forma, a insatisfação do desejo não é uma insuficiência, mas uma eficiência, já que é esta característica que o faz impossível de ser satisfeito e, portanto indestrutível.

O que caracteriza o desejo, segundo Freud é este impulso para reproduzir uma satisfação original, ou seja, produzir um retorno a algo que já não é mais, a algo perdido cuja presença é marcada pela falta.

A anoréxica nega o desejo, nega sua impossibilidade de satisfação e se satisfaz comendo nada. Negando o desejo, nega-se também a falta. E é aí que entra a figura materna
As mães das moças anoréxicas tem algo em comum: apresentam-se como mulheres fortes, fálicas, completas. A partir disso pode-se pensar a Anorexia como um sintoma endereçado a esta mãe fálica, com o objetivo de inscrever nela uma falta, um espaço. Como uma forma de reagir ao controle materno.
Segundo J. Lacan, é necessário que algo falte para que se instale o desejo e o sujeito advenha como sujeito desejante, sujeito da linguagem. As mães de anoréxicas não permitem a instalação desse vazio.
No caso das anoréxicas, a falta não se presentifica devido à presença avassaladora da mãe. Assim, o objetivo da anoréxica é criar uma separação, um brecha. O sintoma aparece para marcar o desejo do sujeito de inserir uma falta no outro e assim, nele próprio. Para evitar que a voracidade materna continue obturando seu desejo, a anoréxica passa a devorar o nada, passa a desejar o nada, diante da impossibilidade de desejar outra coisa.
Segundo A. Nogueira, em tese de mestrado, “o sujeito massacrado pelos cuidados do outro, recusa o objeto oral, o esvazia e diz a esse outro que busque um objeto de desejo além dele, fora dele, além do próprio sujeito porque assim, este encontrará a via rumo ao desejo”.
O sintoma, então, surge diante da onipotência da mãe. Na tentativa de preencher todos os buracos, ela obtura, com a satisfação de necessidades, o vazio que daria espaço para a filha se constituir sujeito. Dizendo não á demanda da mãe, a criança pede que ela olhe em outra direção, diferente dela própria.
Para encerrar, fica uma frase de J. Lacan (Escritos, 1958):

“É a criança alimentada com mais amor que recusa o alimento e usa sua recusa como desejo”.

Fernanda Pimentel

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