13 de outubro de 2009

À luz da escuridão

Olhos fechados, prefiro não abrir
Medo de olhar, medo de ver, de constatar
O escuro é seguro ainda que eu nada veja
E esse medo que não chega de assustar e me prender
A voz se cala e de muda, grita!
Num tom inaudível tenta despistar, destemer
O profundo escuro obscuro e duvidoso, mas seguro, seguro!

O tempo vai passando e o que antes era escura-mente ideal
Perde o sentido, precisa mudar.
Claro que sim! Tão claro assim quanto a segurança do antigo
Embora aquele, tão escuro, fosse suficiente pra mim.
Como a força de uma onda meus olhos insistem em abrir
Ao me deparar com a ausência do escuro
A angústia não me deixa ver

Aos poucos vou me acostumando
Na medida em que sigo sonhando
Já não me basta mais o escuro
Prefiro agora o brilho inseguro do experimentar constante
Ainda que de fugazes instantes.

Feminino

Temas recorrentes no discurso misógino medieval implicavam na manutenção do controle da mulher, impedindo-a, de acordo com a mentalidade da época, de influenciar diabolicamente o respeitável homem. Este é um dos exemplos históricos, provavelmente o menos dissimulado entre todos os outros, que deflagra a submissão imposta à mulher pela sociedade machista. Ideal que foi capaz de perdurar ao longo dos séculos, traduzindo um medo autenticamente masculino.
Acontece que tanto receio não pôde evitar o que veio a se concretizar no século XVIII, momento em que a família ocidental se vê desafiada pela irrupção do feminino junto ao advento da burguesia, que outorgou o lugar central no seio familiar à maternidade e permitiu à mulher a ocupação de um espaço social.
O declínio do poder onipotente do masculino é sublinhado pelo Édipo de Freud e a função paterna é colocada em cheque, correndo o risco de passar a ser um posto apenas simbólico, coadjuvante do interesse central das recém inauguradas ciências – sociologia e psicologia: a mulher e a família nuclear.
Em meados do século XVIII, inicia na Inglaterra a Revolução Industrial que se expande pelo mundo, funda a classe trabalhadora masculina e fixa a mulher dentro de casa, cuidando dos filhos, dos afazeres domésticos e garantindo o bem estar do marido que volta ao lar depois de um dia duro de trabalho.
Esta era a conjuntura sócio-econômica do mundo capitalista, quando acontecimentos marcantes do ponto de vista de toda a humanidade – as duas Grandes Guerras Mundiais, vêem manchar a história da raça humana e ao mesmo tempo determinar definitivamente o lugar da mulher, agora, no mercado de trabalho. Durante a guerra, a escassez da força masculina e a fome iminente impeliram a sociedade à quebra dos paradigmas das diferenças sexuais e o sexo “frágil” arregaçou as mangas e foi à luta! Mesmo longe dos campos de batalha.
Apesar da discriminação sofrida pelas mulheres que envolvia baixos salários, longas jornadas de trabalho, assédio sexual e maus-tratos dos chefes, gradativamente o trabalho feminino foi ganhando status e passou a ser importante na economia doméstica.
Ao chegar a meados do século XX, a família nuclear entra numa crise atribuída à questão da centralização familiar na figura da mãe e a família dita contemporânea se impõe, caracterizando-se como um arranjo em que dois indivíduos vivem juntos ao longo de um tempo de duração relativo, em busca de uma relação intima ou de realização sexual. Porém, a modernidade parece não ter conseguido aniquilar um aspecto do feminino que se manteve como um poderoso sinônimo cultural de mulher, a maternidade.
A realidade dos gêneros na era contemporânea passa a apresentar um contorno interessante, em meio às novidades do mundo moderno, uma idéia retroativa suscita: a mulher volta a ser um enigma. Para o homem por causa do impacto de seu novo papel social e para ela mesma, porque a intensa influência de padrões sociais que buscaram ligar a identidade feminina à identidade materna, parece ter gerado dificuldade no processo de definição de cada uma das suas auto-representações.
Nasce um novo recorte do feminino, que abrange perspectivas inusitadas e promove um momento único na história da humanidade, trazendo mudanças no campo das sexualidades e tendo como ponto de partida a reflexão do movimento feminista há 60 anos, que se destaca pelos entorses da crise do masculino em meio a ascensão do feminino.
Nos anos 50, Simone de Beauvoir lança os primeiros “flashes” de luz sobre a ótica feminista e acaba por enunciar o esboço da condição feminina universal:de uma posição social de subordinação que definia a identidade feminina como estando escorada no papel de reprodução biológica, para o nascimento da imagem da mulher como espécie política.
Na histórica frase: "Não se nasce mulher, torna-se mulher" da autora (BEAUVOIR, 1953) apresenta-se a identidade feminina como uma construção social e não um determinismo biológico. Desta forma, a hegemonia das explicações biológicas passa a ser repudiada e é substituída pela edificação social do feminino.
A mulher se vê diante de um novo tempo que promete independência, liberdade de escolha e de conduta marcado pelo advento da pílula contraceptiva.
Cada milímetro de espaço social e de autonomia alcançada pela mulher atinge de forma impactante a idéia sobre a definição social dos gêneros e, desta forma, flagra-se a banalidade de toda uma tradição antropológica que pretendia defender a ideologia da hierarquia entre os sexos, onde a dominação masculina se transforma em algo passível de ser naturalizada.

1 de outubro de 2009

Isso é coisa da sua cabeça!!

Eu gosto muito do quadro com este nome da Band News FM. Nele, a colunista Inês de Castro investiga impressões e verdades inquestionáveis, conceitos, que depois de ficarem algum tempo em voga, acabam recebendo o status de científico sem, muitas vezes, terem sido profundamente estudados. Idéias que penetram o senso comum e preenchem grande parte do que se considera real, são ‘in’-cucadas por muita gente e determinam comportamentos, preconceitos e escolhas.
Se colocarmos à parte o filtro de caráter educativo do programa da rádio, que acaba por definir temas em discussão, creio que encontraremos, profundamente inseridos em cada um destes assuntos, sentimentos de angústias e a busca por segurança comum a todos nós.
Fazendo então uma transferência desse raciocínio para a esfera humana do cotidiano, penso que as coisas que são “coisas da nossa cabeça”, não se limitam às questões existenciais ou comportamentais de um grupo de pessoas culturalmente afim.

Eu diria que boa parte das nossas opiniões inflexíveis estão relacionadas à tendências projetivas e paranóicas que, funcionalmente, ocupam nosso pensamento – consciente ou inconscientemente, e dão origem à teorias auto-referentes que investigam os sentimentos e a opinião dos outros ao nosso respeito.
Outra parte destas idéias, com características mais neuróticas, colabora para a criação e a manutenção de regras e rituais que garantam níveis toleráveis de ansiedade. No final, tanto umas quanto as outras se associam de alguma forma àqueles conceitos inquestionáveis e nos influenciam diariamente.
Quando nos invadem de supetão, “as coisas da nossa cabeça” provocam dúvidas intensas e nos levam à busca de explicações racionais que visam afastá-las do aqui e agora, movimento que não consegue impedir que voltem, nem que passemos bastante tempo tentando comprovar sua veracidade através da análise de situações suspeitas e sinais, por vezes imaginários, que corroborem pras nossas inconvenientes teses.
Nesse clima, qualquer indício de comprovação nos leva de volta ao começo de tudo, desfazendo todas as racionalizações protetoras e fazendo nascer uma pontinha de angústia e muita insegurança.
Coisas da nossa cabeça são mais do que um produto da função mental do pensamento.
Coisas da nossa cabeça não passam de coisas do nosso coração!