13 de outubro de 2009

Feminino

Temas recorrentes no discurso misógino medieval implicavam na manutenção do controle da mulher, impedindo-a, de acordo com a mentalidade da época, de influenciar diabolicamente o respeitável homem. Este é um dos exemplos históricos, provavelmente o menos dissimulado entre todos os outros, que deflagra a submissão imposta à mulher pela sociedade machista. Ideal que foi capaz de perdurar ao longo dos séculos, traduzindo um medo autenticamente masculino.
Acontece que tanto receio não pôde evitar o que veio a se concretizar no século XVIII, momento em que a família ocidental se vê desafiada pela irrupção do feminino junto ao advento da burguesia, que outorgou o lugar central no seio familiar à maternidade e permitiu à mulher a ocupação de um espaço social.
O declínio do poder onipotente do masculino é sublinhado pelo Édipo de Freud e a função paterna é colocada em cheque, correndo o risco de passar a ser um posto apenas simbólico, coadjuvante do interesse central das recém inauguradas ciências – sociologia e psicologia: a mulher e a família nuclear.
Em meados do século XVIII, inicia na Inglaterra a Revolução Industrial que se expande pelo mundo, funda a classe trabalhadora masculina e fixa a mulher dentro de casa, cuidando dos filhos, dos afazeres domésticos e garantindo o bem estar do marido que volta ao lar depois de um dia duro de trabalho.
Esta era a conjuntura sócio-econômica do mundo capitalista, quando acontecimentos marcantes do ponto de vista de toda a humanidade – as duas Grandes Guerras Mundiais, vêem manchar a história da raça humana e ao mesmo tempo determinar definitivamente o lugar da mulher, agora, no mercado de trabalho. Durante a guerra, a escassez da força masculina e a fome iminente impeliram a sociedade à quebra dos paradigmas das diferenças sexuais e o sexo “frágil” arregaçou as mangas e foi à luta! Mesmo longe dos campos de batalha.
Apesar da discriminação sofrida pelas mulheres que envolvia baixos salários, longas jornadas de trabalho, assédio sexual e maus-tratos dos chefes, gradativamente o trabalho feminino foi ganhando status e passou a ser importante na economia doméstica.
Ao chegar a meados do século XX, a família nuclear entra numa crise atribuída à questão da centralização familiar na figura da mãe e a família dita contemporânea se impõe, caracterizando-se como um arranjo em que dois indivíduos vivem juntos ao longo de um tempo de duração relativo, em busca de uma relação intima ou de realização sexual. Porém, a modernidade parece não ter conseguido aniquilar um aspecto do feminino que se manteve como um poderoso sinônimo cultural de mulher, a maternidade.
A realidade dos gêneros na era contemporânea passa a apresentar um contorno interessante, em meio às novidades do mundo moderno, uma idéia retroativa suscita: a mulher volta a ser um enigma. Para o homem por causa do impacto de seu novo papel social e para ela mesma, porque a intensa influência de padrões sociais que buscaram ligar a identidade feminina à identidade materna, parece ter gerado dificuldade no processo de definição de cada uma das suas auto-representações.
Nasce um novo recorte do feminino, que abrange perspectivas inusitadas e promove um momento único na história da humanidade, trazendo mudanças no campo das sexualidades e tendo como ponto de partida a reflexão do movimento feminista há 60 anos, que se destaca pelos entorses da crise do masculino em meio a ascensão do feminino.
Nos anos 50, Simone de Beauvoir lança os primeiros “flashes” de luz sobre a ótica feminista e acaba por enunciar o esboço da condição feminina universal:de uma posição social de subordinação que definia a identidade feminina como estando escorada no papel de reprodução biológica, para o nascimento da imagem da mulher como espécie política.
Na histórica frase: "Não se nasce mulher, torna-se mulher" da autora (BEAUVOIR, 1953) apresenta-se a identidade feminina como uma construção social e não um determinismo biológico. Desta forma, a hegemonia das explicações biológicas passa a ser repudiada e é substituída pela edificação social do feminino.
A mulher se vê diante de um novo tempo que promete independência, liberdade de escolha e de conduta marcado pelo advento da pílula contraceptiva.
Cada milímetro de espaço social e de autonomia alcançada pela mulher atinge de forma impactante a idéia sobre a definição social dos gêneros e, desta forma, flagra-se a banalidade de toda uma tradição antropológica que pretendia defender a ideologia da hierarquia entre os sexos, onde a dominação masculina se transforma em algo passível de ser naturalizada.

3 comentários:

Homem Oco disse...

vc já assistiu ao Anticristo, do Lars Von trier? Na minha ótica, a temática principal é justamente a condição da mulher..eu recomendo...

bjos

Dd. Navarro disse...

Ainda não vi...mas ouvi falar bastante bem!
Vou ver se assito e te falo...!

Karol disse...

Tô gostando, tô gostando... Desse jeito vc vai arrebentar...