Na última sexta-feira, fui assistir ao espetáculo teatral: Óidpous, filho de Laios, uma transcrição do texto de Sófocles: Édipo Rei.
Entende-se por transcrição a criação que se dá a partir de uma tradução de tal forma seletiva, que produz um texto original.
No caso desta peça, assistimos a uma interpretação de ordem Psicanalítica e Filosófica da estória de Édipo, baseada, porém, num ponto de vista diferente do de Sófocles: centraliza a maldição herdada por Édipo dos atos de Laios, seu pai, e aborda a ignorância do filho diante dela, fazendo uma interessante relação entre o enigma da esfinge e o significado de seu nome.
Outro detalhe que diferencia o texto é apresentação do oráculo de Delfos como a representação do que se encontra inscrito no inconsciente e que permanece obscuro, embora insista em ressurgir e se ver cognoscível e satisfeito, num mover próprio do recalcado.
A peça mistura conteúdos gregos, como algumas palavras usadas no roteiro, e figurino, segundo o autor, inspirado nos índios do Xingu.
Em termos estéticos, esta é uma produção bastante interessante, o visual indígena se destaca em corpos definidos e expressões corporais que misturam leveza, intensidade e delicadeza, esta última distinguida em movimentos expressivos de mãos que se sobressaem aos rostos escondidos por máscaras e pinturas.
Esta mistura de linguagem, figurino, expressão corporal e a música – algumas vezes barulhenta demais, foi o que me ligou ao espetáculo, despertando mais conteúdos inconscientes do que o próprio roteiro, prejudicado por uma preocupação, aparentemente intensa do diretor, em garantir a impossível obviedade do simbólico.
Esta composição teatral peca naquilo que deveria ser sua principal estratégia: deixar que o latente atue no papel principal de maneira a possibilitar aos espectadores insights talvez suaves, embora não menos poderosos, do que o ruído mudo que toma conta do nosso psiquismo diante das diferentes formas de expressões artísticas.
A sensação que eu tive, foi que alguns detalhes desta produção, como as duas explicações contextuais dadas pelo diretor no começo e no meio da apresentação e a inclusão de uma piada sem graça, além de um palavrão atual e pouco harmônico ao conjunto, impediram que instintivamente percebessemos a oscilação afetiva que uma boa composição teatral nos provoca.
É como se a produção tomasse o papel de um ego frágil que se defende para impedir elaborações que parecem ameaçar a segurança da costumeira estagnação que tenta defini-lo a todo instante.
Enfim, o espetáculo poderia ser bem mais tocante, não fosse a aparente preocupação didática (e intrusiva) do seu criador ao que se refere aos conceitos e à compreensão Psicanalítica.
No final do espetáculo, dois psicanalistas discutiram a produção, que de muito longa, acabou provocando a saída da maioria dos espectadores e deixou a platéia quase vazia nesta hora.
2 comentários:
Bela crítica... Eu não assisti o espetáculo, mas depois de ler sua opinião posso levantar a plaquinha "Eu já sabia".rs
Adorei a objetividade do texto.
Beijinhos!
Pois é...vc tinha toda razão sobre o espetáculo. Mas vc ter razão também não é nenhuma novidade!
Beijos!
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