20 de novembro de 2011

Subjetividade Pós-moderna (trecho do trabalho final, Narcisismo e Sociedade - PST/USP)

Os fenômenos pós-modernos dizem respeito às intensas mudanças ocorridas nas últimas décadas nos âmbitos da ciência, das artes e da literatura, desde o final do século XIX. Tais fenômenos, dos quais se destacam a influência do rompimento da antiga fronteira espaço-temporal e o estabelecimento do presente como “o tempo por excelência", têm repercutido de maneira marcante sobre a vivência e a condição humana. (MILLAN, 2010).


Este intenso investimento no presente tem a ver com a busca da satisfação imediata e a consequente intolerância a frustração, aspectos que, juntamente à preocupação extrema com a auto-imagem, deflagram o caráter narcísico da sociedade contemporânea. O indivíduo contemporâneo vive a reatualização do narcisismo primário (FREUD, 1914). Um retorno inevitável, já que tem como premissa a busca de prazer e a recusa da frustração. Como resultado final, as pessoas experimentam o consumo como satisfação primordial, colocando a interação humana em último plano, num mundo com poucos limites intransponíveis.

Neste sentido, as pessoas gastam tempo e dinheiro com a tentativa de imortalizar a juventude, a saúde e a beleza, da mesma forma que dispendem bastante energia na busca por admiração e reconhecimento. Para isso, permanecem ligadas o tempo todo em seus celulares e sites sociais buscando novos contatos e a satisfação narcísica de serem vistas e solicitadas. Hougan apud Lash (1983) afirmou que hoje o narcisismo coletivo se transformou na disposição predominante e num outro texto, Lash (1986) fala sobre a extinção das tradições e do significado da posteridade em seu sentido histórico como mais um reflexo do imediatismo pós-moderno, demonstrando uma “paixão predominante” por viver o agora, “viver para si, não para os que virão ou para a posteridade”. (p.25).

Hoje em dia, contando com o incentivo dos meios de comunicação em massa e a proliferação das linhas de terapias alternativas, além de toda tecnologia voltada à estética que inclue cirurgias plásticas, medicamentos e tratamentos diversos, as pessoas cultuam seus corpos. Este foco no corpo, algumas vezes está atrelado a um ideal estético e outras à saúde, bem estar e a integração indivíduo-cosmo (LASH, 1986).

Tal configuração psicossocial provoca fragilidade nas relações humanas, que são percebidas pelo indivíduo contemporâneo como sendo tão efêmeras e passíveis de consumo – uso e troca, quanto as coisas e serviços aos quais tem acesso. As pessoas não se encontram suscetíveis a um apego substancial. Nas coisas, porque se pode perder a próxima novidade e nas relações, pela impossibilidade do homem moderno em investir em relações duradouras.

“Ambos podem conjugar seus esforços durante um tempo, mas logo a destruição ultrapassa as possibilidades do sujeito, que não dispõe dos investimentos necessários para o estabelecimento de uma relação objetal durável e para o progressivo engajamento numa implicação pessoal profunda que exige a preocupação com o outro” (GREEN, 1988, p. 260).

Outra característica importante dos nossos tempos diz respeito ao que Lash (1983) chamou de “o sentido do fim” e sua emergência em criar e seguir manuais de sobrevivência. O autor fala de como os acontecimentos do século XX que dizem respeito à vitimização humana em massa, em especial o holocausto, geraram no ser humano a sensação de perigo iminente, promovendo a interiorização deste “sentido de um fim”. Para dar conta disto e na tentativa de se proteger de um futuro ameaçador e incerto, o homem passou a adotar ações individuais, assumindo que estas podem, de alguma maneira, impactar o curso dos acontecimentos. Fator que o leva a distanciar-se ainda mais do âmbito público, do social, na medida em que coloca seu foco na sucessão de crises de seu próprio cotidiano.

Segundo Brandão (1989), este demasiado aprofundamento na “linha narcísica da alma” oferece perigos não somente encontrados na “auto-contentação, no solipsismo, no incesto intrapsíquico, mas também no suicídio”. Para Narciso sua desilusão estava ligada à falta de equivalência da imagem refletida e amada com o mundo real e objetivo, fator que motivou um “suicídio anoréxico” (p.184).

A mesma ausência de vitalidade, ou o mesmo tipo de suicídio, que também é social, é encontrada no modelo de vida do homem pós-moderno, que tem como premissa a estruturação de projetos e sonhos sobre o Ideal de Eu, base na qual finca suas expectativas. Estas pessoas seguem num caminho de idealizações que, em função de seu caráter fantasmático, não podem se relacionar profundamente com a realidade, embora produzam sentimentos de medo e insegurança quando com ela deparam. Green (1988) esclarece esta dinâmica ao explicar que a função paterna da atualidade está infiltrada pelo narcisismo e, por isso, o amor fica condicional. Neste sentido, falando do relacionamento entre pais e filhos, o autor afirma que hoje a criança será amada, na medida em que responder aos objetivos parentais.

Para Lash (1983) a configuração social da atualidade tem destruído toda forma de autoridade patriarcal e causado debilidade ao superego social, configurando uma sociedade extremamente permissiva. Por outro lado, este fenômeno não alcança o superego individual de forma proporcional antes, a ausência dos antigos limites sociais favorece que o superego sádico se desenvolva “à custa do ideal do ego” (p.33, nota de rodapé). A consequência é que as pessoas acabam sendo consumidas pelo ódio. E com a intenção de desenvolver novas defesas contra este ódio, se tornam socialmente suaves e submissas, embora continuem fervendo em seu interior (LASH, 1983).

Para Green (1988):

“O ódio recalcado é o resultado de uma desintrincação pulsional, sendo que todo desligamento enfraquece o investimento libidinal erótico liberando, em consequência, os investimentos destrutivos’ (p. 263).

Em suma, a cultura do narcisismo vai contra os fenômenos sociabilizadores, impedindo que o homem pós-modernos se movimente em direção à alteridade, antes, o conduz aos ideais narcísicos e, por isso, aos processos primitivos individuais. Esta dinâmica também favorece a exclusão social e assinala a diversidade como indesejável.


Bibliografia básica:
 
Cultura do Narcisismo e Mínimo Eu, Cristopher Lash.
Narcisismo de Vida, narcisismo de Morte, André Green.
Tempo e Felicidade e Tempo e Subjetividade no mundo Contemporâneo: Ressonâncias da Clínica Psicanalítica, Marilia Millan.
Mitologia Grega, junito de Souza Brandão.